quarta-feira, 8 de agosto de 2012

'porque não estou onde tu estás' :

               
       in the book | jonathan safran foer : extremamente alto e incrivelmente perto  

''A tua mãe e eu nunca falamos sobre o passado, esta é uma regra. Eu vou à porta quando ela está na casa de banho e ela nunca olha por cima do meu ombro quando eu estou a escrever, e estas são outras duas regras. Abro as portas para ela passar, mas nunca lhe toco nas costas quando as transpõe, ela nunca me deixa vê-la cozinhar, dobra-me as calças, mas deixa-me as camisas ao pé da tábua de engomar, nunca acendo velas quando ela está na sala, mas sopro para as apagar. Nunca ouvimos música triste é uma regra, criámo-la logo no princípio, as canções são tão tristes como quem as ouve, raramente ouvimos música. Mudo os lençóis todas as manhãs para lavar o que escrevo, nunca dormirmos duas vezes juntos na mesma casa, nunca vemos programas de televisão sobre crianças doentes, ela nunca me pergunta que tal foi o teu dia, comemos sempre do mesmo lado da mesa, de frente para a janela. São tantas as regras que às vezes não consigo recordar-me do que é ou não uma regra, ou se fazemos alguma coisa só por fazer, hoje vou deixá-la.
Não, não é isso, não tem que ver com a minha felicidade, com o alívio do meu fardo. Gosto de ver pessoas reunidas, talvez seja uma palermice, mas gosto de ver pessoas a correrem umas para as outras, gosto dos beijos e das lágrimas, gosto da impaciência, das histórias que a boca não consegue contar com a rapidez suficiente, dos ouvidos que não são suficientemente grandes, dos olhos que não são capazes de captar toda a mudança, gosto dos abraços, do reencontro, do fim das saudades de alguém, sento-me à beira do passeio a beber um café e escrevo no meu diário, examino os horários dos voos que já memorizei, observo, escrevo, tento não me recordar da vida que não queria perder mas que perdi, e tenho de recordar, estar aqui enche-me de tal modo o coração de alegria, ainda que a alegria não seja minha, e ao fim do dia encho a mala com velhas notícias, talvez  fosse esta a história que contava a mim mesmo quando conheci a tua mãe, pensei que podíamos correr um para o outro. Não funcionou. Vagueámos no mesmo sítio, com os braços esticados.''

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